2011-10-26

lipovetsky viii

um alicate rompe os interstícios da pele
afunda-se nos ossos corroendo as raízes
e nem a mais estranha dor se intromete
no caos desolado a laceração esfacela
a deserção de mim cria a apatia o sono
alastra desde o fígado a noite perto…

2011-10-24

"As linhas não existem" de Joana Espain



Citando Ana Luísa Amaral a propósito deste livro:

"Em Joana Espain (...) as palavras rangem e são arestas, e fazem-se brilhar, acendem-se. Avessas ao estilo. Sabendo, com Dickinson, que o estilo de pouco, ou nada, vale, porque não se ensina nem se aprende em manuais. Assim, o dickinsoniano recusar saber “dançar na ponta dos pés” recria-se e re-vive na desarmante afirmação “uma baleia não tem estilo”. Por isso, as linhas (dos estilos, dos pensamentos enquilosados, mas também dos modismos) resumem-se a isto: “o nó de uma linha individual lançada precariamente ao mar para suster o sublime estrondo da baleia”.
Há nestes poemas uma frescura que coloca seguramente a voz que os fala entre as vozes interessantes da poesia nossa agora emergente.
Nesta busca e neste rodear do mundo sensível e concreto através do recurso a uma linguagem suspensa e contida, é possível detectar nesta nova voz a importância do cruzamento radicalmente inusitado de linguagens de fundações várias (a da ciência, a da poesia, a do quotidiano)." 

*) À venda na Poetria ou no site www.livrariapoetria.com

2011-10-16

lipovetsky vii


as surdas lamentações e as mórbidas depreciações
há muito que se instalaram nos lindes da praça
e desse deserto nada sobra que não um vazio
sem mais um superlativo impossível só apatia
e uma densa poeira nos dentes avisa das sombras
sobre a luz. sem emoção fervente azeite cai na língua.

2011-10-13

lipovetsky vi

don juan jaz os olhos na terra
seivam elementarmente a noite
as folhas descaídas no regaço
libertam as últimas propriedades
a morte vem pela manhã a luz
fere o último breu aguça-se aí
na explosão do sol nos lençóis
diáfanos na evidência de narciso.

2011-10-09

lipovetsky v

na estrada a segurança está no cinto a razão na ponta da unha
diz-te que a libertina sedução é já programável ajustável mesmo
ao bom quotidiano para que o homem livre seja livre enfim...
inédito um autónomo indivíduo personaliza a sombra e evola-se! zut!

2011-10-07

lipovetsky iv

o mundo fascina domina mesmo a cinésica
do corpo afunda-se nas veias nas manhãs
paroxísticas encostadas à trip sensorial
pulsiona desde a fímbria do walkman e
dos novos avatares e nem a missa negra
faz esquecer a estranha lógica do abismo.

2011-10-04

lipovetsky iii


o coração da cidade o arame rompendo os músculos
a surda sinfonia do opróbio o pus junto aos ossos
tensos o sangue explodindo inundando a sinóvia
os líquidos absorvendo as cores um corpo neutro
repassando a linfa o acidulado do éter o sono vago
a música o engodo felino para os mundos a festa.

2011-10-02

lipovetsky ii

um avo nem asseptizo o momento
porque de poesia não trata o vazio
nem os vocábulos caem da máscara
assim a morte no prato devora o mal
pulsão fendendo os lábios sem lifting
um mundo de sangue um hiperespaço.