2009-04-25

frase da noite

Experiência é o nome que todos damos aos nossos erros

Oscar Wilde

Lady Windermere's Fan, 1892, Act III

2009-04-24

Frase do dia

Não há santo sem passado,
não há pecador sem futuro...

grafitti numa parede de Melbourne
referido pelo Cardeal Nguyen van Thuan
no seu livro Testemunhas da Esperança

[frase enviada por Pedro Aguiar Pinto]

2009-04-23

Zeca do Maio em Coruche


ZECA DO MAIO
AO VIVO EM CORUCHE
24 DE ABRIL 22H. PÁTIO DO MUSEU MUNICIPAL.

2009-04-22

"Livros de Matrículas dos Moradores da Casa Real" (2 vols.) por Luís Amaral

O incêndio que se seguiu ao grande terramoto do primeiro de Novembro de 1755 e teve os efeitos devastadores que são bem conhecidos destruiu, entre muita outra documentação, os Livros de Registos dos Moradores da Casa Real, de que "havia nesta Secretaria mais de oitenta livros, todos encadernados em pergaminho, que serviram mais de duzentos annos a esta parte", como se refere no Livro Primeiro do "Registo dos Alvarás, Cartas de Propriedade de Ofícios e Apostilas que principiou em Dezembro do ano de 1755", citado por Nuno Gonçalo Pereira Borrego na Introdução ao seu magnífico trabalho sobre aquele Fundo da Torre do Tombo publicado em 2007 e aqui amplamente divulgado.
Em boa verdade, um anterior incêndio, ocorrido em meados de 1680, tinha já destruído os livros de matrícula dos Moradores da Casa dos Reis D. João IV e D. Afonso VI mas este último, por um decreto providencial de seu irmão D. Pedro, príncipe regente, datado de 10 de Outubro de 1682, determinara que, “por se entender que se pode remediar este danno com o Registo das Secretarias de Estado, Mercês e Expediente da Matriculla, do Conselho Ultramarino, das Chancelarias do Reyno e das Ordens, da Torre do Tombo e dos Contos da Chancelaria que estão nos Contos” se procurasse, com a maior celeridade, “reconstituir listas, com seus Alfabetos, de todas as Mercês q nos ditos livros se acharem registadas, com os nomes das pessoas a q se fizerão, e rellações dos serviços e acções de cada huma”.
Essa tarefa, superiormente dirigida pelo Mordomo-Mor, D. João da Silva, marquês de Gouveia e executada por Lourenço Taveira Soares, foi prontamente levada a cabo e deu origem a seis novos livros que acabaram por escapar à fúria destruidora do fogo de 1755. Tal como determinava o decreto, neles se registaram não só os alvarás, cartas, mercês e apostilas de foros e ofícios da Casa Real reconstituídos a partir das diferentes fontes como serviram, dessa data em diante, para neles se prosseguir, nos reinados seguintes, os registos da mesma natureza. Data de 1744 a última referência que aí está registada. Ainda assim, exceptuando um hiato de 11 anos – entre 1744 e 1755 – que se terá perdido em 1755, estes Livros de Matrícula dos Moradores da Casa Real cobrem, em conjunto com a “Mordomia da Casa Real”, os 270 anos que durou a Dinastia Brigantina.
Sobre esta importante informação, publicou a Torre do Tombo em dois volumes, um em 1911, outro em 1917, sem indicação de autor nem qualquer nota explicativa sobre o fundo a que se referia, o "Inventário dos Livros das Matriculas dos Moradores da Casa Real". Seguramente com uma muito reduzida tiragem, este trabalho está praticamente inacessível aos investigadores em geral, já que próprio exemplar existente na Biblioteca Nacional só após uma segunda insistência foi trazido à leitura, sendo primeiro alegado o seu mau estado de conservação para que pudesse ser disponibilizado. São razões de peso para que Luís Amaral tenha tomado a iniciativa de os transcrever, confrontá-los com os originais, introduzir correcções e actualizar a grafia, acrescentando-lhe também uma nótula histórica sobre a origem deste fundo da Torre do Tombo. Enriquecido com um prefácio de D. Pedro da Costa de Sousa de Macedo (Vila Franca), os Livros de Matrícula dos Moradores da Casa Real - Foros e Ofícios - 1641-1744 - que o Guarda-Mor agora vai editar em 2 volumes, reproduz as mais de 8.000 súmulas aí contidas que incluem o nome do beneficiário, filiação, naturalidade, cargo, ofício ou mercê concedidas e respectivas datas, além de completos índices onomásticos, geográficos e analíticos.
Com o lançamento previsto para o próximo dia 25 de Maio, esta obra em dois volumes de 650 páginas em formato A4 e capa dura está a partir de hoje e até ao próximo dia 15 de Maio em fase de subscrição pelo valor total de 85 euros, sendo comercializada por 95 euros após esta data. Clique aqui para subscrever.


www.guardamor.com.pt
www.geneall.net

2009-04-20

"Notícia é só aquilo que alguém quer esconder" por Mário Crespo

A noite de sexta-feira foi frenética nas redacções por todo o país. Às 20 horas, a TVI mostrou a gravação onde Charles Smith é, pela primeira vez, visto e ouvido a descrever um acto de corrupção no licenciamento do Freeport. Um por um, jornais, rádios e TV tentaram obter comentários do gabinete do primeiro-ministro. Tornou-se clara a linha oficial de controlo de estragos dos operadores de média do Governo: nada havia de novo na transmissão da TVI, o primeiro-ministro considerava falsas as afirmações feitas no DVD e tencionava processar quem o tinha difamado.

Com mais ou menos emotividade e calor, os assistentes do primeiro-ministro contactados mostraram também o seu desagrado pelas intenções da Comunicação Social de considerar o DVD da TVI peça importante na cobertura noticiosa do caso Freeport. É de facto muito importante. O DVD do Freeport é o equivalente às gravações do Watergate que fizeram cair Nixon. Foi na consciência disso que, para desgosto dos conselheiros de São Bento, vários órgãos de Informação optaram por reproduzir excertos do scoop da TVI. Outros não. Todos estão no pleno direito de exercer o seu juízo editoral.

Assim, nos dias seguintes, quem passasse os olhos pelos jornais, ouvisse rádio ou seguisse a TV, inevitavelmente seria informado da notícia que a TVI tinha originado. A liberdade de expressão funciona assim, validando-se nesta diversidade de opções que serve o interesse público. O fundamental é que o continue a fazer em total liberdade porque, com os casos do Freeport e do BPN em roda livre e manifestamente longe de uma conclusão, há incógnitas e suspeitas transversais a todo o Estado, e a democracia tem-se vindo a esboroar. Isto não é uma só questão filosófica. É contabilística também. Os economistas sabem projectar os custos da corrupção no quotidiano das dificuldades dos portugueses. Neste mundo do dinheiro público aplica-se muito bem a lei da química de Lavoisier - nada se cria nem se perde, tudo se transforma. O problema está nessa transformação. Se no Freeport ou no BPN alguém fica com dinheiro subtraído aos lucros dos promotores, ele não entra nos impostos e não se transforma em bem-estar social. Os roubos já conhecidos no BPN (mais de dois mil milhões) e os quatro milhões que a Freeport detectou que tinham desaparecido das contas do seu investimento em Portugal deviam ter passado pelo circuito fiscal e ter sido transformados em bem-estar geral nacional. Foi dinheiro do Estado que foi roubado e, se não fosse a Comunicação Social com os seus exageros e exactidões, a sua pluralidade e o seu sectarismo, a sua independência e o seu clubismo fanático, por vezes tudo manifestado na mesma publicação, nada se saberia e o país empobreceria ainda mais depressa. Claro que é preocupante ter a democracia de um Estado dependente de um só sistema, aparentemente tão frágil e anárquico. Mas neste momento é o que nos resta. Entre segredos de justiça e segredos cúmplices, o Estado tem-se vindo a desrespeitar. O DVD do Freeport foi escondido durante anos, ocultando a verdade ou parte dela. Cinco processos judiciais contra jornalistas depois, é conhecido. Nada pode ficar como dantes. Como Bob Woodward disse, "notícia só é aquilo que alguém quer esconder. Tudo o mais é publicidade".

Há demasiada publicidade em Portugal.

JN, 20 de Abril de 2009


[texto enviado por JCosta]

2009-04-16

"Homografias. Literatura e homoerotismo ": 17 de Abril (1º Acto), na Universidade de Aveiro


"Épica Menor" de António José Ventura na Gente Singular editora & respectivo posfácio





Posfácio à obra poética

As palavras principais em Épica Menor de António José Ventura

“1. É muito difícil ter cabeça para escrever; tão difícil como ter cabeça para ler!

E, contudo, como é fácil escrever… basta apenas sabê-lo.”

(Mário Saa, A Explicação do Homem atravez duma auto-explicação e em 207

táboas filosóficas, Lisboa, 1928)

Levando em conta o excerto epigráfico, iluminante para o caso, começo por dizer que a poesia de António José Ventura é um caso de boa literatura e de competente escrevivência. E estaria tudo dito, porque o que importa é o macrotexto poético que sugere a apreciação. Umas poucas palavras, no entanto, como diria um esquecidíssimo Tomaz de Figueiredo.

Em reversa euforia genológica, o livro de António José Ventura é e será sempre um objecto literário alarmado, instaurador de perplexidade e de interioridade dilemática. De facto, o valor catafórico do título (Épica Menor, lembro), sem escavação textual ulterior, afirma-se sem despiste: a narrativa poética inscrita é a de uma particular voz que “grita” da casa da poesia uma aventura única decantada em estados íntimos, em momentos quotidianos, breves e profundos – como mitigar a univocalidade dos melhores poetas ou bachtiniano “mundo ptolomaico”, se o ofício poético é ele mesmo um ardimento na margem futurante?!...

Alicerçada em esteios autorais (Tom Stoppard, Paul Celan e Camilo Pessanha) e em portas dilucidativas alógrafas de função ideológica, esta Épica Menor, que inclui ainda num dos passos uma dedicatória a Octave Mirbeau, encontra a sua unidade na quádrupla partição (“A casa, o mundo e as estações”, “Os lugares de chegada”, “No Palácio de Estói” e “O jardim”) submetida ao inderrogável poder unitivo da palavra.

E da palavra parte este acto hermenêutico para relembrar o brilhante paratexto stoppardiano que reposiciona o acto criativo em admonitório “locus solitarius” que permite a fruição de rilkeanos objectos principais que serão tema e mitema. De facto, é de casa, de mundo e de estações que se alimenta esta primeira parte, toda ela explosiva dos geodésicos titulares encravados na propulsão genésica da palavra: como no texto bíblico, a criação dimana das palavras “construtoras” (“As palavras são para ser usadas / na construção da cidade”) e da ambiência aquática, profunda e purificadora: “o mar ao longe espreitando o horizonte / de barcos e velas de navios.”

O poeta constrói e desconstrói (a cidade abre-se à ria e à memória esventrada), construindo sempre um espaço único, desoladamente poético, intimamente devastado pelos fungos da peste do contágio hodierno: e vêm ao texto motivos fragmentários e capciosos, de sabor pós-moderno, como o da cidade desaparecida (lembrem-se poemas como “A cidade estagnada”, “Intempérie”, “O mês de Fevereiro foi aziago” ou “Sono”, onde o espaço cosmopolita estagna, se afunda, se decompõe, se fragiliza...

Sem tempo, o poeta escava as raízes, sendo a casa e o mundo, fluindo no trem estacional da desmemória por veredas internas e externas encaixadas num tempo suspenso: “As coisas são o que são / e permanecem imóveis / neste Estio com restos de barcos / escorrendo pelas esquinas” (“Deriva”). E assim o poeta devassa a interioridade (“A luz que entra pelas janelas / revela os segredos dos deuses”, em “Sul (dois)”), connosco percorrendo os lugares da casa e os lugares do corpo, contra a clepsidra do tempo.

Fluido mas denso, o fluxo poético venturiano alimenta-se de vozes e vectores de influência (e lembrar “Variação sobre um poema de Yeats” soa a tautologia), não desusando a marca cultural, como acontece no incipit textual que, ao referir que “O paraíso é um café de Portimão”, convoca no passo o eco de Walter Benjamin que afirma serem as cervejarias a “chave de qualquer cidade” (Rua de Sentido Único). Segue o explicit do mesmo poema pela toada quotidiana, garçoniana, ao jeito do soneto “O louro chá no bule fumegando”, lembrando que a melhor poesia é vida e pequenos prazeres.

Assomam ainda nesta primeira parte pequenas explosões poemáticas que são interessantíssimas artes poéticas. Lembro, em benefício de inventário, os textos “A inspiração não é um mito romântico” ou o ducassiano “Sou um arqueiro dum exército em fuga”.

De repente, o Poeta chega ao lugar, à segunda morada que é o corpo. Carnal, o novo andamento desta Épica pode inscrever-se emblematicamente no valeryano tempo “d’ un sein nu / Entre deux chemises” (P. Valéry, “Le Sylphe”). Rente ao sal da pele, a palavra é corpo e deflagração erótica. O sujeito poético dedilha o corpo da mulher (“Passei a mão / pelo teu corpo dos pés aos cabelos”), abrindo veredas com o saber da língua (“A minha língua envolveu-te os seios / que sabiam a sal e a morangos”). As lexias apuram-se como deusas do corpo, sugerindo, sugerindo sempre: “lábios / suaves como veludo”, “pupilas dilatadas”, “clarão da explosão”, “ondas concêntricas no branco” e a primeira parte do poema “O sexo” são claro exemplo de uma profunda pregnância erótica tonalizada disforicamente por um certo desalentamento (v. g., “Manual do sentimento” ou “Último tango em Paris”) que promove uma dor claramente lírica.

Outro lugar fica “No Palácio de Estói”. E o poético que fica é a areia da memória e a “épica” da corrosão. Abrindo-se a parte pela morte do dia (“Morre o dia”), é de morte que a aproximação do olhar poético ao lugar eleito fala: a inquirição sobre o que se passará no palácio naquele instante logo responde com “os capitéis das colunas gastas pelo tempo” e com o “cenário da sombra ausente / dos habitantes mortos.” Já no portão, torna-se iniludível o lugar de devastação: o segundo poema fala de “lugares desabitados” de que a cidade se quer infensa, como se a ocultação não fosse a mais clara afirmação da peste. O lugar habita o pântano, parado sítio em que um “vetusto torreão / é o senhor da paisagem”. Em volta, tudo jaz abandonado, vazio e o tempo tornou as coisas inúteis. Atento, mágico, o mármore fixa a queda.

Luminoso, um jardim vem ao macrotexto venturiano, para encerrar a viagem poética. E da luz ao embaciamento vai um nada, nesse centro edénico se lavrando um “espaço de imobilidade” denegador, onde “Não existem caminhos / não há de onde nem para”. A primeira composição, “O jardim poema”, é abundante de ‘nãos’ e de ‘talvez’, afirmando assim um trabalho de crença recolhido na palma da mão, aí onde o labor poético pode recriar o mundo.

Neste jardim dessorado existe uma história esquecida, um “outrora” e um “agora apenas” que entrechocam, com espectadores privilegiados que a tudo assistem, como acontece com aquele banco imóvel do penúltimo poema, assim sublimemente parado como estática e poética é a última e devastadora ambiência.

É um arguto João de Araújo Correia quem, em interessantíssimo Dispensário linguístico, aconselha à brevidade para que se não desfeiteie a língua. Não fui breve, nem sequer cuidadoso, porque um livro bem escrito merece ser lido no melhor silêncio. Assim são as palavras principais.

Viseu, 25 de Junho de 2008

Martim de Gouveia e Sousa

[http://www.gentesingular.pt/]

2009-04-14

Bizarra Locomotiva na Music Box

(rui sidónio por martim de gouveia e sousa [lisboa, music box, 10 de abril de 2009])

2009-04-09

matza

prepara o corpo recolhe a água
é o tempo do fel e do pão ázimo
do amargor as ervas são palavras
ferventes dentro das nozes do mel
que te percorrem e te fermentam.

2009-04-07

frase da noite

Depois de eliminarmos o impossível, aquilo que sobra, por mais improvável que seja, deve ser verdade.


Sir Arthur Conan Doyle

[enviada por Pedro Aguiar Pinto]

2009-04-04

ofício da pele

um arame de aço cose-te a pele
e da rua noite dentro um soco
abala-te os tímpanos a sórdida
candeia cai e derrama-se em ti
como se os dedos combustíveis
fossem de madrepérola frios…

tenso um músculo entesa-se
contra o lábio eréctil e da noite
vem um grito marejado de frio
derradeira lâmina no estupor
do sórdido verniz que se derrete…

idiota um coração rebenta no chão
abrindo-se maduro à aspereza do pó
como devorador canibal cansado
roto e vestido nas lajes negras…

uma dança então nasce do azebre
dos corpos flutuantes no cheiro
na navegação húmida das ilhas…

o vento amacia o cacto o hálito
amargo da boca anavalha-te…

em pano um secreto dente rói…