Um poemário de pós-Abril
“O debate é sereno, porque a verdade nem se altera nem ira, quando argumenta.”
(Camilo Castelo Branco, “Prefácio” a A Imortalidade de Baguenault de Puchesse, 25 de Fevereiro de 1865)
Celebrativo em reverso embaciado, este poemário de pós-Abril de José Amaral irrompe do corpo para a ele regressar em finitude – o ardor do grito é, afinal, uma laceração desalentada na funda pele.
Sem temer o paragramatismo analógico (identificam-se passos e ecos de vozes como as de Camões, Pessoa, Alegre, Gedeão, Ary, Natália…), o código óptico-grafemático lembra a data de 25 de Abril (e vinte cinco são os poemas em romano) e os trinta e quatro anos da Revolução (agora com os anteriores se encontrando e em árabe partindo). Cavando até à origem, cedo “as portas que Abril abriu”, para citar um consabido título de Ary dos Santos, dão lugar a “gritos aprisionados” (poema 33). E assim se faz um caminho de desalento e de inesperada desgraça.
O ritual é límpido: era uma vez um país “onde nem foice nem roçadoura” desbastavam “os caminhos do descontentamento” (poema II) que encontrou a possibilidade do sonho depressa embaciado. Em breve, e os semas textuais aprofundam-no, sobrevive apenas a desilusão. As lexias não permitem o sonho: o desarmado leitor priva com “uma úlcera viciada”, “um charco de escuridão”, “a podridão política” (poema III) ou “uma vereda” (poema XXIV), num país que viveu “anestesiado” (poema IV) e é agora uma “espinhosa visão ensanguentada / de um passado prometido, / de um presente não vivido, / de um futuro já passado / e nunca alcançado” (poema IX). Desvelam-se então na crua memória os fastos da história que transmutam os cravos em cardos e lançam o enxofre no corpo já envelhecido (veja-se o poema 28) do poeta: “Disparem contra mim, / acabem com esta minha triste sina / e descansarei em paz, por fim!”.
O ambiente cinéreo, depois da madrugada do sonho, espalha-se e rói. Feita a revolução, urge a revolução (“exigindo uma nova Revolução”, poema 29) e uma marca identificativa. Sem ela, só a morte do poema 34: “Depois… / quero descansar / na paz que não tive em vida.”
Como diria Aristóteles, é impossível pensar sem fantasmas. Este canto dorido de José Amaral inscreve uma lícita representação poética. Seja este pós-Abril um verbo de esperança…
Viseu, 26 de Março de 2007 (das 23 para as 24 horas)
Martim de Gouveia e Sousa
1 comentário:
s
e
j
a
!!!!
um beijo.
y.
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