2006-02-16

O peregrino da noite Anrique Paço d' Arcos (1906-1993)


Quando Mayakovsky se apresta para terminar o maravilhoso poema Vladímir Ilyítch Lénine, na versão de 1924, Anrique Paço d' Arcos entabula uma das histórias mais belas de amizade com o poeta Teixeira de Pascoaes. Este está com 47 anos e o jovem poeta tinha apenas 17. Em carta de Abril de 1924, Paço d' Arcos pede perdão pelo "ousio " de escrever ao poeta do Marão. Meses passados, Mayakovsky dirá: Vivemos
o nosso
tempo.
E todos os tipos
de sujos mexilhões
se agarram
ao nosso
casco.
E depois
de atravessarmos
a tempestade irada,
sentamo-nos
ao sol
a limpar
a barba verde
das algas
e o muco rubro das medusas.


Henrique Belford Corrêa da Silva, com o nome de poeta Anrique Paço d' Arcos, nasceu em 1906, na cidade de Lisboa, vindo a falecer em Luanda, no ano de 1993.
Escritor simples e elegíaco, legou-nos livros de poesia como Versos sem Nome (1923), Divina Tristeza (1925), Mors-Amor (1928), Peregrino da Noite (1931), Cidade Morta (1939), Estrada sem Fim (1947), História de Jesus (1962), Círculos Concêntricos (1965), Voz Nua e Descoberta (1981) e Poesias Completas (1993).
É precisamente do livro ao lado que extraio um belíssimo soneto que inscrevo nesta página em homenagem a um pouco lido e importante poeta:
ALÉM DA MORTE
Fecho os olhos num sonho que me leva
Às paragens divinas da saudade,
Lá onde a noite é apenas claridade
Dando origem talvez a nova treva.
Fecho os olhos e avisto a Eternidade,
Lá onde um sol fantástico se eleva
Num perpétuo fulgor, sem que descreva
Sua órbita de luz na imensidade.
Fecho os olhos e vejo a minha imagem
Anoitecendo os longes da paisagem,
Como a única sombra que persiste...
Sou eu! sou eu aquele vulto errando!
Sou eu, além da morte ainda sonhando
Na tua graça e neste amor tão triste!...
Referindo-se-lhe, Pascoaes, em 1928, defendia que a Pátria necessitava da presença dos seus grandes Poetas, para que ela não fosse apenas "uma feira de bichos inferiores." Seja cada leitor tocado pela poesia superior do deslembrado Anrique Paço d' Arcos...

4 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

"uma feira de bichos inferiores."



pois. e assim chegámos a este tempo.
bom dia Martim.
do Poeta Paço d'Arcos guardo o telúrico assombro e o resguardo...uma alma fugidia que sempre fugiu aos "arrebiques"....
obrigado.

um beijo.mais perto da paisagem perpétua.

isabel mendes ferreira disse...

...e assim de páginas revoltas se fez o dia....(bom dia).

porfirio disse...

boa tarde martim

pascoaes, poeta maior e diria até druida e profeta, tira radiografias à identidade cultural deste país como ninguém, e que por sinal é bastante infectada.

aquele abraço

Unknown disse...

Caro Martim
Só agora encontrei a sua página e gostei muito das referências à poesia do meu pai, um poeta praticamente esquecido. Quero rectificar que Anrique Paço d'Arcos NÃO morreu em Luanda mas sim em Lisboa a 13 de Maio de 1993. Obrigada
Mª Carmo Paço d'Arcos