Desesperançadas desde o pórtico e sob o influxo dantesco (“Lasciate ogni speranza, voi che entrate”), as primeiras palavras de “Fel” criam no leitor um horizonte de expectativa entre o estranhamento e a infelicidade. E, no entanto, é a principal obra de José Duro um título bafejado pela fortuna do achamento de um paratexto invejável e certeiro – assim, quantos títulos felizes para além do “Só”?
Do centro canónico que a glória também cava, desse lugar instável visitado por “profissionais” que detestam a literatura e o “honesto estudo”, brota, na minha perspectiva, uma raiz que é pertença de José Duro, poeta ainda assim importante e mal lido fora da circunscrição do interesse e da paixão localista. E nem me parece que o centenário sobre a morte assinalado em 1999 tenha trazido interessantes contributos contra o deslembramento – vale ao caso a importante reunião de textos dispersos levada a cabo por António Ventura para as Edições Colibri nesse mesmo ano. No essencial, a semiótica do tempo, sempre produtiva, continua a marginar o cadáver daquele que foi a enterrar numa “chuviscosa e fria manhã de Janeiro”…
Esquecendo a cronologia biobibliográfica do Autor que quaisquer investigações breves resolvem parcelarmente (os seus núcleos são glosadíssimos), avanço dizendo que José Duro (1875-1899) inicia a sua actividade literária por volta dos dezoito anos (tudo indica que o seu primeiro publicado seja “Dores: Flores da Inocência”, vindo a lume no “Diário de Elvas” de 4 de Agosto de 1893), estreando-se em prosa, nos lindes da narrativa breve.
A “plaquette” “Flores”, de 1896, permite uns poucos indícios do caminho futuro, antes mostrando uma predominante euforia naturista que os distraídos literários talvez desconheçam. É, porém, o último “Post-Scriptum”, datando o tempo da escrita de Portalegre, Janeiro e Março de 1896, que recobre estas “flores poéticas” de erosão e de queda. Veja-se, por exemplo, o acumulado de semas disfóricos como ‘vermes’, ‘loisa’, ‘alcova fatal’, ‘dia triste de finados’, ‘lágrima’, ‘violetas negras’, ‘gélida morada’, etc… Mas, como estava dito, não predomina nestas “flores” a “Sombra arquiletal” – há uma luminosidade antes e, principalmente, depois desusadas, bem como gráceis fulgurações regionais (as alusões a rituais religiosos, à toponímia histórica ou à boémia portalegrense) que fazem desta colectânea uma obra com as suas armas da imaginação. Por isso, não concordo totalmente com a posição de Albino Forjaz de Sampaio, quando defendia que “Flores” “nada revelava do poeta enorme” que José Duro viria a ser, opinião, aliás, seguida em 1927 por José Agostinho que chama à colectânea “livro medíocre”.
Não havendo opinião sem leitura penso que “Flores” é uma zona silenciosa da produção de José Duro que convém reabilitar. Sem o ruído em volta dos chavões exaustos e insignificantes, convido à hipoética do texto. No embalo, suspendo o pensamento e entrego à deriva quaisquer lacerações hermenêuticas. Até lá, leia-se José Duro fora da cidade e da implosão. Leia-se, por exemplo, este "Fel".
2006-02-18
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2 comentários:
Também tenho...................
este Fel do José Duro.....comprei-o quando tinha 2o anos....que já não tenho....
muito actual. como tudo o que é verdadeiro.
beijo e.....bomfimdesemana.
nem uma nem outra coisa....os vinte passaram e o fel nunca tive...
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