2006-10-06

expulso da cidade: o caso de Baltasar Estaço

Depois de sete anos de encarceramento, entre 1614 e 1621, Baltasar Estaco, que se tentou enforcar em 1616, foi finalmente libertado, assim permanecendo desde que não mais entrasse em Viseu ou no seu bispado.
Estaço, nascido em Évora, em 1570, estudou Latim, Artes, Teologia e Filosofia, nas Universidades eborense e de Coimbra, afirmando-se ainda como poeta e homem clerical - foi, lembre-se, cónego penitenciário na Sé de Viseu. Não espanta, pois, que, quando entrou na prisão da Inquisição de Coimbra, em 28 de Julho de 1614, já o seu nome fosse estimado nas letras portuguesas, tanto mais que dez anos antes publicara, na cidade universitária, “Sonetos, Canções, Éclogas e Outras Rimas”, livro saído dos prelos do impressor da Universidade Diogo Gomes Loureiro.
Ora o que se passou então com Baltazar Estaço na nossa cidade? D. João Manuel, bispo de Viseu, depois de colocado ao corrente de que o cónego Estaço, segundo denúncias, tendo nos braços as confessadas cuida ter Nossa Senhora e que todos os ósculos e “tocamentos” havidos, mesmo que na cama, não mais facultavam do que uma “comunicação santa”, resolve aconselhar-se com a Inquisição de Coimbra. Na inquirição efectuada, depuseram dez testemunhas, tendo a sexta delas, Ana Duarte, referido que o cónego, quando beijava ou abraçava, dizia: “- Bons medronhos são estes!”.
Já no início de 1615, António Feio da Horta emite um parecer sobre o caso, avançando ser voz corrente que os criados do Senhor Bispo instruíam as testemunhas no Fontelo, sugerindo-lhes o que haveriam de dizer. Reagindo ao parecer, o Bispo Inquisidor Geral resolve transferir o cónego-poeta para Lisboa, aonde chegou em 5 de Março de 1617. Aos 16 dias do mês, declarou Estaço sofrer da enfermidade de frieza que só se desvanecia com a aproximação da carne feminina. Protegido e talvez compreendido, Baltasar Estaço não é dado como negativo ou condenado à fogueira, tendo, no entanto, ficado privado “perpetuamente de suas ordens” e impossibilitado de entrar em Viseu.
Banido da cidade, resta uma obra invulgar que importa conhecer. Existem mesmo alguns manuscritos datados de Viseu e assinados pelo punho do Poeta. Quanto à eventual fragilidade humana, pouco importa dizer. Antes interessa, por exemplo, relembrar o final do fulgurante soneto “A certa donzela que se metia freira”, que é ainda um eterno louvor aos actos de fé de uma “bella Joana”, que “desprezando toda a causa humana, / Assy levantaes vossa humanidade, / Que sendo humana sobe a ser divina.”

(Publicado hoje, no Jornal do Centro )

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