2006-06-26

de novo, Gancho









Sem vulgar incisão no tempo da morte, afirmo que desde há anos me fascina a poesia e o trajecto biográfico de António Luís Valente Gancho. Citando-o ou mencionando-o, penso até que a minha circunstância e os contactos comigo havidos tenham levado a notícia do Poeta a outros leitores, a diferentes leituras.
Nascido em Évora, no ano de 1940, ei-lo em Lisboa, na juventude dos 16 anos, pronto a partilhar, em breve, o bulício das conversas surrealistas. Mas cedo o espelho se embacia e a tentativa de suicídio com o fio de telefone, por volta dos 20 anos, felizmente frustrada, condu-lo a sucessivos internamentos nos Hospitais Júlio de Matos e Miguel Bombarda. Considerado esquizofrénico pela ciência médica, é internado, em 1967, na Casa de Saúde do Telhal, onde veio a morrer, quase quarenta volvidos, no dia 2 de Janeiro de 2006.
O poeta “louco” morreu dentro da noite, de ataque cardíaco ou de morte outra e provocada, parece que rindo lucidamente como só alguns o fazem. Ficam connosco as memórias e os ritmos da vida. E também dois livros publicados: O ar da manhã (1995) e a novela erótica As Dioptrias de Elisa (1996). O primeiro título é uma importante colectânea poética que reúne composições de 1960 a 1967 (os 36 poemas de “O ar da manhã”), de Dezembro de 1985 a Fevereiro de 1986 (os 30 poemas de “Gaio do espírito”), de Junho a Julho de 1989 (os 50 “Poemas digitais”) e de Dezembro de 1985 (os 10 poemas de “Poesia prometida”).
Defendia o poeta, desde o início, ouvir-se a poesia “na noite rumorosa onde sonham / pássaros azuis e se ouve sempre útil e maliciosa / a voz negra e fundamental do galo”. Não espanta a delicada “inveja” de Herberto Helder ao sempre ter desejado escrever assim. Em António Gancho, conhece-se melhor o dentro das coisas. Com uma poesia assim vamos até “Aonde a planície já não tiver um sentido”. E, agora, chegado o dia em que “a morte há-de descer / ao comprimento dos céus” cumpre dizer a última palavra de Ar da manhã : “Aceitar.”
A morte de António Gancho é absolutamente impossível.
[A fotografia acima, em destaque, é de Miguel Carvalhais. Este texto reproduz quase integralmente um artigo publicado no Jornal do Centro em Janeiro de 2006)

3 comentários:

Anónimo disse...

Grande poeta Gancho!

Anónimo disse...

Este António Gancho tem um arlúcido e alucinado, ao mesmo tempo. Boa-tarde!

porfirio disse...

boa noite martim

:
é tão bom ser-se "louco"
!

abraço